Linhas Gerais da Responsabilidade Civil
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é elucidar, de modo simples e didático, quais são os lineamentos gerais acerca da responsabilidade civil, tema de grande relevância para todos os operadores do direito, e também para todos aqueles que se interessam em conhecer seus direitos e etc.
Palavras chave: Responsabilidade Civil.
Introdução
Para bem se entender a responsabilidade civil que se aplica sobre inúmeros casos, seja por incidência de ação dolosa, culposa, antijurídica, desacertada e até inconsciente das pessoas, é necessário definir seus elementos básicos de identificação.
Desta forma, sem a intenção de esgotar do tema, este ensaio apresentará ao leitor os aspectos elementares da responsabilidade civil, no escopo de tornar sua identificação e compreensão um pouco mais clara, por assim dizer.
Sem dúvida o tema explorado neste trabalho detém importância para os operadores do direito, e aqui se inclui, certamente, os estudantes, advogados, juízes, promotores, simpatizantes e outros.
1. LINHAS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 Conceituação de Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil que pode ser objetiva, sem necessidade de comprovação da culpa, ou subjetiva, onde a comprovação da culpa é necessária à sua caracterização, nada mais é que a obrigação gerada em decorrência de ato ilícito (lato sensu) que viola, comissiva ou omissivamente, direito das pessoas.
1.2 Definição de Ato Ilícito
Ato Ilícito consiste em tudo que contraria direta ou indiretamente norma vigente posta em vigor para regimento da sociedade.
Pode-se afirmar, pois, que o ato ilícito possui efeito antijurídico imediato, qual seja, o de infringir preceitos legais existentes no ordenamento jurídico.
1.3 Definição de Culpa
A definição de culpa mais apropriada ao trabalho é àquela trazida à baila por Cavalieri Filho, 2007, p. 34. Ipsis litteris: “Por tudo que foi dito, pode-se conceituar culpa como conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.”
1.4 Imprudência, Negligência e Imperícia
Inexistência de atenção, ausência de cautela, são circunstâncias que demonstram imprudência, negligência e imperícia, sendo estas modalidades culposas do ato ilícito.
A imprudência apresenta-se como a falta de cautela por determinado exagero na conduta comissiva, como, por exemplo, dirigir veículo automotor acima da velocidade permitida em lei.
Por sua vez, a negligência é o resultado da completa ausência de cautela, preguiça, carência de atenção, passividade, inação e etc.
Na linha do exemplo de trânsito dado na imprudência, poder-se-ia exemplificar a negligência quando determinada pessoa jurídica exploradora de atividade econômica de transporte de cargas não toma os cuidados necessários à preservação da saúde física e psíquica dos seus funcionários – motoristas –, diante das altas jornadas praticadas sem descanso mínimo, sendo responsável por todos os danos daí decorrentes.
Já a imperícia perfaz a inexistência de habilidade no desenvolvimento de uma atividade em que se necessite de determinada capacidade técnica.
1.5 Definição de Dolo
Dolo é a vontade exclusivamente voltada para o dano, seja este proveniente de conduta omissiva ou comissiva. O agente, aqui, muito embora tenha pleno conhecimento da ilicitude e do potencial do dano que seu ato poderá causar, delibera por prosseguir e alcançá-lo.
1.6 Definição de Dano
Dano é a exposição do prejuízo suportado pela vítima em função da conduta ilícita do agente.
Este dano pode ser material (i), imaterial (ii) e até pessoal (iii), como a perda ou afetação de bens em sentido amplo – dinheiro e etc. – (i); aquele que advém da inscrição indevida do nome nos órgãos de proteção ao crédito (ii), e o que gera mácula à incolumidade física (iii).
1.7 Nexo de Causalidade
Este é responsável por estabelecer e aclarar a identidade havida entre a conduta ultimada pelo agente (culpa ou dolo em suas variedades) e o dano.
A existência deste nexo causal é sine qua non à caracterização da responsabilidade civil.
Sem este liame causal não se pode cogitar de responsabilização civil.
1.8 Responsabilidade Civil Subjetiva
Entende-se por responsabilidade civil subjetiva toda obrigação que precise da comprovação de culpa do agente.
Sem a comprovação da culpa, não há esta modalidade de responsabilização, conforme preceitua o artigo 186 do Código Civil atual.
1.9 Responsabilidade Civil Objetiva
Trata-se de responsabilidade objetiva àquela em que, para ser definida a obrigação respectiva ao agente, não haverá de se comprovar a tipicidade dolosa ou culposa da sua conduta ilícita.
É como se naquele evento ou circunstância ilícita já estivesse encarnada certa presunção de dolo, desprezando-se a intenção do agente que poderia aduzir a vontade de não produzi-lo, para demonstrar mera culpa. Regra do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.
1.10 Excludentes de Responsabilidade Civil
1.10.1 Culpa da Vítima
A culpa da vítima não consta do Código Civil atual.
Contudo, leis esparsas, como o inciso 6º da Lei nº 6.453/77 que trata de danos nucleares, por exemplo, exclui a responsabilidade do nominado Operador Nuclear, frente à culpa da vítima. Vejamos: “uma vez provado haver o dano resultado exclusivamente de culpa da vítima, o operador será exonerado, apenas em relação a ela, da obrigação de indenizar”. (BRASIL, 2017.)
Desta maneira, é possível observar que a obrigação pode simploriamente não incidir num caso concreto, na hipótese de restar patente a culpa da vítima pelo evento danoso.
O que de fato importa em sede de culpa da vítima, é o entendimento de que a mesma traduz excludente de responsabilidade por ocasião da impossibilidade de se assentar o nexo causal, posto que o dano gerado originou-se através da atuação da própria vítima, e não do suposto agente.
Finalizando-se, e sem a menor pretensão de discrepar acerca deste tema, tem-se que com a análise detida do Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, especialmente artigo 12, § 2º, III, e artigo 14, § 1º, II, é possível ver sem entraves situação em que o consumidor não terá direitos obrigacionais oponíveis respectivamente a fabricante, produtor/construtor de produto e a fornecedor de serviços, haja vista configuração de sua própria culpa pelo dano causado – relação de causalidade da sua conduta com este dano.
Vejamos:
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
(...)
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
(BRASIL, 2017.)
Veja-se, agora, exemplo jurisprudencial de culpa do consumidor:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C INDENIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. REPAROS EM EQUIPAMENTO. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. Demonstrado pelo fornecedor, culpa exclusiva do consumidor na utilização do equipamento adquirido, justo se faz a improcedência dos pedidos formulados na exordial na qual se buscava a rescisão do contrato e indenização pelos supostos prejuízos sofridos. (TJMT; APL 84765/2009; Colíder; Segunda Câmara Cível; Relª Desª Maria Helena Gargaglione Póvoas; Julg. 07/04/2010; DJMT 23/04/2010; Pág. 14).” (grifamos) (BRASIL, 2017.)
Infere-se que a culpa exclusiva da vítima, na sua plêiade de casos, consiste numa forte “arma” jurídica que isenta de responsabilização civil aquele até então tido como o causador de determinado dano.
1.10.2 Caso Fortuito e Força Maior
Estas figuras jurídicas impedem a incidência do nexo causal entre eventual conduta do agente e o dano gerado, na medida em que atuam como excludentes de responsabilidade.
Atente-se, com tanto, que caso fortuito e força maior possuem peculiaridades próprias, razão porque são discrepantes entre si, em que pese funcionem para o mesmo fim de excluir a responsabilidade do agente.
Eis a regra posta no artigo 393 do Código Civi: “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. (BRASIL, 2017.)
Por sua vez, elucida o parágrafo único do artigo supracitado: “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. (BRASIL, 2017.).
O que o legislador tencionou expressar no supramencionado dispositivo e no próprio termo definidor de caso fortuito ou força maior, foram espécies de um mesmo gênero, porquanto caso fortuito é algo imprevisto e inevitável, e força maior é circunstância imprevista, porém não resistível, muito menos evitável, como geralmente se confere nos fenômenos naturais de grandes proporções destrutivas, tormentas, tornados, terremotos, explosão piroclástica resultante de atividade vulcânica, e outros.
Ambas as circunstâncias são alheias e imprevisíveis ao agente, tão logo, a ele não recai qualquer obrigação proveniente do dano gerado.
1.10.3 Estado de Necessidade. Legítima Defesa. Exercício Regular de Um Direito.
Estas hipóteses não destoam das outras acima citadas quanto à essência de impedir a formação/caracterização do liame causal entre o dano e a conduta do agente.
Estado de necessidade acha-se numa conduta imprimida pela impossibilidade de se tomar outra conduta no momento.
Para sedimentar o entendimento do que vem a ser estado de necessidade, tem-se que este se configuraria, por exemplo, num ato desesperado de condutor de veículo que, para elidir risco de cair sobre ele e sua família uma árvore que desabava em sua direção sem qualquer motivo detectável aparente, efetua manobra acabando por atingir transeunte que se localizava sobre o passeio público.
A conduta adversa exemplificada no parágrafo anterior é tipicamente resultante de exercício de estado de necessidade, pois para evitar mal iminente, não teve outra alternativa senão abalroar transeunte que se localizava-se sobre o passeio público. Ausência de ilicitude, portanto, a teor do artigo 188, II, do Código Civil vigente.
No que cerca a legítima defesa, desponta a regra entabulada no artigo 188, Ido Código Civil, pelo qual se infere: “não constituem atos ilícitos: os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. (BRASIL, 2017.)
Por certo, aquele que age em legítima defesa, com vistas a repelir, de forma moderada, injusta agressão atual e iminente, não responderá por qualquer dano gerado, cabendo a ressalva de que a leitura que se faz da legítima defesa contida na lei, é a proteção da integridade física, moral e honradez da pessoa, de modo que bens materiais não são tutelados nesta excludente.
Acrescente-se que a legítima defesa somente não será válida, na hipótese de quando sua execução acabar por atingir pessoa diversa (terceiro) da qual se almejava repelir a injusta agressão, aberractio ictus. Neste particular, inquestionavelmente haverá indenização a ser pugnada por ação judicial a ser ajuizada pelo terceiro em desfavor do causador do dano.
Também não se distancia do dever de reparação, aquele que excede a razoabilidade e proporcionalidade ao repelir injusta agressão, pois subsistirá, em parte, a antijuridicidade de sua conduta excessiva, daí porque a responsabilidade será proporcionada ao dano gerado.
Não bastando, faz-se mister asseverar que a legitima defesa putativa também não é inescusável de indenização, pois sendo ela constituída por uma suposição do agente a respeito de risco que poderia correr, e antes mesmo de ocorrer, se é que iria ocorrer, efetua determinada conduta lesando a suposta pessoa que o ameaçava, porém, de forma indevida, já que o dano a ele nem existiu no campo fático.
Quanto ao exercício regular de um direito reconhecido, assim como preceitua o artigo 188, I do Código Civil, é modalidade de eliminação de responsabilidade, podendo ser utilizado sempre que possível, com atenção aos princípios da razoabilidade, boa-fé, bons costumes e a estrita atenção ao seu fim econômico, desde que não se torne excesso de direito.
Por regra, este instituto é utilizado com vias a validar, como direito reconhecido, uma conduta que está sendo ou poderá ser contestada por outrem. A título de exemplo, cita-se a liberdade de imprensa e o livre exercício da expressão/pensamento insculpidos no texto da CF/1988. (BRASIL, 2017.)
Mas, para elidir dúvidas que possam surgir a respeito do exercício regular de um direito, quadra expressar festejado entendimento de Cavalieri Filho, 2007, p. 19 e 20: “Exercício regular de um direito – o nome já diz – é o exercício regularmente, normalmente, de acordo com seu fim econômico, social, a boa-fé e os bons costumes. Quem exerce seu direito subjetivo nesses limites age licitamente e o lícito exclui o ilícito.”
1.10.4 Fato de Terceiro
Fato de terceiro deve ser sempre equiparado ao caso fortuito e até mesmo a força maior, porque sua presença sempre tem incidência quando o agente, a princípio, não podia evitar determinado dano, e, após verificação aprofundada no caso, chega-se a conclusão que foi terceiro o causador do dano, e não aquele agente aparente.
Como sabido, terceiro é aquele que aparece, em determinado caso, além da vítima e do acusado pelo prejuízo.
Parafraseando, é aquele que, em tese, não guardaria a mais longínqua relação com o dano, todavia, após apuração fática, diagnostica-se que ele é o agente causador do dano, eximindo-se, pois, qualquer responsabilidade aquele agente que até então estava a ser acusado por uma conduta da qual efetivamente não dera causa.
Bem, assim, fato de terceiro constitui mais uma modalidade de excludente de responsabilidade.
Por último, é valioso registrar que a culpa exclusiva de terceiro, não obstante ao que já foi dito mais acima a respeito, é tratada mais enfaticamente pelo Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor, especialmente no tratante as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor, artigos 12, § 3º, III, e 14, § º 3, II.
1.10.5 Cláusula de Não Indenizar
Tal cláusula, muito embora não constitua circunstância de irresponsabilidade, é causa que afasta obrigação de indenizar constante no contrato em virtude de sua inexecução, pois é avençada desta forma entre os contratantes.
A aludida cláusula possui serventia para amortizar vultuosidade de verba indenizatória emanada da inexecução total ou parcial de um contrato.
2. CONSIDERAçOES FINAIS
Com efeito, este singelo trabalho teve o escopo de conferir uma visão panorâmica a todos sobre os delineamentos básicos da responsabilidade civil.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 21 abr. 2017.
BRASIL, Lei nº 10.406, de janeiro de 2002. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 de jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 21 abr. 2017.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C INDENIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. REPAROS EM EQUIPAMENTO. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (TJMT; APL 84765/2009; Colíder; Segunda Câmara Cível; Relª Desª Maria Helena Gargaglione Póvoas; Julg. 07/04/2010; DJMT 23/04/2010; Pág. 14).
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[1] Bacharel em Direito. Pós Graduado em Direito Processual Civil. Advogado. Jurista.